Reconhecer indivíduos para contar sua história

Quem já teve a oportunidade de avistar um grupo de botos nadando no mar sabe como eles são todos muito parecidos. Fica bem difícil conseguir identificar alguma característica que nos permita reconhecê-los a nível individual, só de vê-los passando. São animais que não apresentam uma variação de características físicas entre eles, diferente de nós, humanos, e dos cachorros e gatos, por exemplo, que conseguimos reconhecer individualmente a partir de características físicas únicas.

             Mas e se eu te disser que existe uma forma muito especial de fazer essa identificação individual dos botos também? Esses animais possuem marcas naturais em suas nadadeiras dorsais, aquela parte do corpo que fica exposta pra fora da água toda vez que eles vêm até a superfície para respirar. Cada boto tem um padrão exclusivo de marcas, que acaba funcionando como uma marca digital deles, um verdadeiro RG animal. Através da fotografia dessa parte do corpo, podemos identificá-los, montar um catálogo de nadadeiras e reconhecer esses indivíduos a cada novo encontro com eles. Não é demais?!

Pesquisadora em campo fotografando as nadadeiras dorsais dos botos

Conhecida por fotoidentificação, essa técnica é muito utilizada por pesquisadoras e pesquisadores para realizar estudos dos padrões populacionais de diversas espécies animais. Tais padrões da população são características ecológicas da espécie estudada naquele local, uma população residente de uma região específica. Por exemplo, podemos estimar quantos indivíduos vivem nessa população, quantos desses podem  ser filhotes, se há uma época do ano que nascem mais filhotes, se esses animais possuem um local preferido pra estar dentro da região que vivem, entre muitos outros fatores que podem ser estudados para nossa melhor compreensão sobre essa população.

Com o passar do tempo e a melhoria dos equipamentos fotográficos essa técnica de fotoidentificar indivíduos vem ganhando mais destaque e aplicabilidade. Com as fotografias digitais, com os computadores que permitem o armazenamento dessas imagens e com o desenvolvimento de programas específicos que ajudam nessa identificação, é possível aprimorar a qualidade das análises e ganhar mais tempo nesse processo também. Desde o início do uso dessa técnica até os dias atuais, já foi possível utilizar as fotografias para realizar estudos com muitas espécies, tanto terrestres quanto aquáticas, desde grandes felinos, zebras, girafas, até cetáceos: as baleias e golfinhos.

O tipo de marca utilizada para fotoidentificar pode variar de acordo com a espécie, bem como o local do corpo onde essas marcas ocorrem. Em algumas espécies são usadas marcas de fato, como já vimos ser o caso do boto-cinza, que como a maioria dos golfinhos, apresenta esse padrão de marcas na nadadeira dorsal. As baleias-jubarte, por sua vez, podem ser identificadas individualmente por padrão de coloração e serrilhado de borda, na parte ventral de sua nadadeira caudal. Já as baleias-francas, ambas espécies de baleias que migram todo ano para o litoral brasileiro para se reproduzir, podem ser identificadas pelo padrão de calosidades nas suas cabeças, a partir de fotografias aéreas.

Região ventral da nadadeira caudal de uma baleia jubarte, parte do corpo utilizada para a fotoidentificação dessa espécie, através do padrão de coloração e serrilhado de borda

 

Bom, mas o que exatamente essa técnica nos permite fazer? Todo esse trabalho de ir pro mar fazer as fotos das nadadeiras dos botos e depois analisar foto por foto, editar, filtrar, comparar e finalmente identificar os indivíduos, serve para responder algumas perguntas muito importantes. Nós do Projeto Boto-Cinza estamos trabalhando com a fotoidentificação para fazer uma estimativa de quantos botos vivem aqui na região de Cananéia. Além disso, queremos saber se eles têm algum lugar preferido para estar aqui neste estuário ou se ocupam todo o espaço sem preferências. Saber as respostas dessas perguntas e tantas outras que a fotoidentificação pode ajudar a responder, nos permite conhecer melhor esses botos e assim contribuir mais para sua conservação.

 

Pesquisadora trabalhando nas fotos tiradas em campo, comparando as marcas entre indivíduos

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O Projeto Boto-Cinza é uma iniciativa do Instituto de Pesquisas Cananéia e conta com patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental